É lá que iam parar os chefões do tráfico. Os caras que a polícia pegava e não executava, iam presos. Cada comando ficava numa área isolada. Se deixasse misturar, os vagabundos se matavam. Sabe o que eles faziam lá dentro ? O mesmo que faziam aqui fora: viviam em guerra disputando o controle do tráfico da cidade. Por mim, o certo era fechar a porta e jogar a chave fora, e deixar os caras se estrucidarem lá dentro.
Eu estava decidido a não experimentar a droga, eu só queria sustentar minha família. Eu ganhava sim com as vendas, e além disso, não pagava o preço do vício. Ai fui preso, e virei viciado.
E graças a Deus, tem muito intelectualzinho de Esquerda, que vive defendendo vagabundo. E eles fazem a cabeça de muita gente. “Prisão hoje é um lugar extremamente caro, pra tornar as pessoas piores. Em 1996, a população carcerária era de 148 mil presos. Hoje, 15 anos depois, a população carcerária é de mais de 400 mil presos.”
O Rio de Janeiro hoje, está loteado em 3 facções criminosas, que estão em constante conflito. E “Bangu”, é exatamente a mesma coisa. 3 facções criminosas, alimentando ainda mais o ódio e a rivalidade. Um bando de miseráveis, que não tiveram chance de educação. Que não tiveram chance nenhuma na vida. Trancados e esquecidos nas piores condições inimagináveis. E sendo controlados por uma polícia com fortes tendência a corrupção.
Ainda tem gente que abre a boca, pra dizer que o Brasil é o país da impunidade. Pode até ser, pra um determinado setor na comunidade. Porque para os demais, pras classes subalternas, pros meros mortais, o bicho pega. Eu digo isso, porque sou vítima disso tudo.
Ai rolou uma carnificina, e os mais casca grossa do comando vermelho, foram exterminados. E o que rolou, foi que o Cara dos Direitos Humanos, tava sujando a imagem do comando. Mesmo eu tendo que estar do lado dos Direitos Humanos, eu queria mais era um comando forte. Porque eu já não via a hora de sair dali. E sabe o que o governo queria fazer ? Dar chance pros manés, entrar de novo nas comunidades, matando, extrucidando... e eu só queria sair dali. A cidade ia virar uma enorme mancha vermelha, poça de sangue. E eu estava incluso nessa.
O que aconteceu, foi que o comandante da secretaria de segurança pública, tava transformando o comando numa máquina de guerra. E o extermínio ia começar.
Pra certas pessoas, a guerra é a cura. A guerra funciona como uma válvula de descarga. A pressão ta grande em casa; a solução é ir pra rua. E eu fui sempre assim. E pra eles, um tráfico fora da jogada, a farra dos corruptos iria acabar. Quanto menos cocaína e maconha chegassem nas bocas, menos o tráfico ia faturar. Se os vagabundos quebrassem, os corruptos quebrariam também. E ai, ia fuder o sistema.
Eu tenho uma vida pra seguir, uma família pra criar. Meus filhos acham que eu sou um traficante vagabundo viciado. E foi mesmo o que comecei a sofrer. Eu tinha que ficar deprimido com isso tudo. Mas “algo” me fazia ter estima.
Tinha um plano: numa dessas entradas policias no presídio, sair massacrando e fugir. O que em teoria, eu e vários outros, achávamos que daria certo. Só que na prática deu tudo errado. O que aconteceu de verdade, foi bem diferente do que eu planejei.
Me livrei de Bangu, e voltei ativa no meu beco.
Nada como uma crise econômica pra aguçar a criatividade. Foi só cortar o arrego do tráfico, que os corruptos perceberam o óbvio. Qualquer comunidade pobre do Rio de Janeiro, é muito mais do que um ponto de venda de drogas. Toda favela é um mercado poderoso de muita coisa comprada e vendida. Em quatro anos, o sistema tomou conta de quase toda zona oeste do Rio de Janeiro. Antes, os policiais invadiam, e os traficantes voltavam. Só que quando os corruptos começaram ocupar as favelas, os traficantes não voltavam mais.
Por um bom tempo eu pensei que o sistema tava ajudando o comando, só que na verdade, era o comando que tava ajudando o sistema.
Estava criado um monstro que iria engolir a todos. Milícia é máfia. Um verdadeiro crime organizado. Antes, os políticos usavam o sistema pra ganhar dinheiro. Agora, eles dependiam do sistema pra se eleger. O voto é a mercadoria mais valiosa da favela.
A milícia tinha tanta certeza que o governo ia expulsar os traficantes do tanque, que já tava até recrutando gente pra impedir que eles voltassem. E de novo, o comando ia invadir o morro. Pra tomar o tanque, só fazendo uma mega operação. Mas isso o governador não queria, porque ano de eleição, não pode morrer inocente.
E eu sobrevivi a mais uma invasão. Pior, em meio a bala perdida, acabei matando minha mulher. E descobri que a secretaria de segurança, era o coração do sistema. A segurança pública do estado do Rio de Janeiro estava nas mãos de bandidos. E minha honestidade com o tráfico e o contrabando, já não me faziam confiar em ninguém.
Não tive chance nem escolha: ou eu entrava pro tráfico, ou eu morria de fome. Então eu percebi, que as vezes o sistema nos acerta onde mais dói: tive meu filho ferido, morto. Onde a bola da vez, era eu.
Eu não tinha mais alternativa: eu tinha que bater de frente com o sistema. Eu tava disposto a matar todo mundo, queria fazer juz com as minhas próprias mãos. E eu sabia que o sistema era um mecanismo impessoal. Com articulação de interesses escrotos.
Fui pego de surpresa, mas dessa vez, eu não estava sozinho. Os filhas da puta escaparam, mas a minha guerra contra o sistema, tava só começando. Agora era pessoal, e eu ia continuar lutando, só que de um jeito diferente.
Já que além de traficante, eu estava envolvido no sistema, fui obrigado a depor. Abriram uma CPI em época de eleição e os partidários opostos, já estavam contra, com o argumento de que ia virar campanha eleitoral.
Meu nome é Roberto Braga Silveira, comandei o maior tráfico da zona oeste do Rio de Janeiro. Me dediquei 15 anos da minha vida, a única e exclusiva função de sustentar minha família, e não deixar que meus filhos virassem um ser humano como eu. Vou dizer uma coisa que não é fácil, mais é verdade, é que de fato a PM do Rio tem que acabar. Quando o meu filho tinha 10 anos, ele me perguntou porque que o meu trabalho era tão perigoso. Meu filho Rafael, que está sepultado na favela do morro da formiga, vítima de um tiro de pistola. E eu não sei responder a pergunta dele. Eu tenho 15 anos de tráfico, e não sei dizer a ele, porque que é que eu optei por isso, ao invés de uma vida digna. Sendo que eu considerava a minha, digna. Mas o que eu posso afirmar com certeza, é que o tráfico, não puxa esse gatilho sozinho. Metade dos partidários aqui, deveriam estar na cadeia. Metade é pouco. De ficha limpa, poucos são. Deputados chefes das maiores organizações criminosas da cidade. Com parceria do ex secretário de segurança, um dos piores bandidos.
Eu fui pra CPI, pra detona o sistema. Eu fui lá pra falar a verdade, dizer o que eu tava sentindo. Contei tudo o que eu sabia, reconheci meus erros. E falei por mais de 3 horas.
Dei porrada em muita gente, coloquei muito político corrupto na cadeia. Por causa do meu discurso, teve filho da puta que foi pra vala muito antes do que esperava. Foi a maior queima de arquivos da história do Rio de Janeiro. Mesmo assim, o sistema continuava de pé. O sistema entrega a mão pra salvar o braço. O sistema se reorganiza e articula novos interesses. Cria novas lideranças.
Enquanto as condições de existência do sistema estiverem presentes, ele vai existir.
Agora me responde alguma coisa, quem você acha que sustenta tudo isso ?
É, e custa caro. Muito caro. O sistema é muito maior do que eu pensava. Não é atoa que os traficantes, policiais e miliciantes, matam tanta gente nas favelas. Não é atoa que existem as favelas. Não é atoa que acontece tanto escândalo em Brasília, que entra governo, sai governo, e a corrupção continua. Pra mudar as coisas, vai muito tempo. O sistema é foda, ainda vai morrer muito maçante.
“Aqui jaz sepultado Roberto B. Silveira, 21 de maio de 2011.” Viciado, morreu com efeitos de uma parada cardíaca. 'A.F.